O sistema capitalista sempre representou a política do “capital” na descentralização dos processos produtivos, fundamentalmente as relações de trabalho e a interação dos atores sociais. Esse instrumento de invisibilidade constitui-se na precarização das condições da vida social que integram as situações de desemprego, exclusão e pobreza.
 
Nesse contexto, o papel do trabalho feminino neste cenário e a compreensão do conceito da Divisão Sexual do Trabalho e suas nuances, reforçam o quadro de distinções que alimenta o preconceito social, racial, salarial entre homens e mulheres. Esta divisão está relacionada à raízes históricas de opressão e de desigualdades sociais, além, das novas formas de organização do trabalho construídas ao longo dos últimos anos.
 
Nesse sentido, o trabalho feminino sempre visto como o “do lar” e sem remuneração, contribui para distorções acerca do papel das mulheres e sua inserção nas relações de trabalho formais, investido de várias problemáticas, com foco na desestruturação nas normativas de relações, bem como, na construção de paradigmas patriarcais da concepção da mão-obra feminina.
 
Isso associado as triplas jornadas de trabalhos e ao posicionamento do mercado, acerca dos filhos, da carga horaria, do conceito social, da política racial e das dinâmicas de reprodução de assédios institucionais, configuram-se em um instrumento excludente dessas reafirmações e da garantia ampla de espaços de reconhecimento e inclusão.
 
Não quero parecer injusta aos diversos avanços e conquistas , que principalmente os governos progressistas tiveram na defesa deste segmento, inclusive no que diz respeito a incidência política das mulheres em espaço de poder. Porém, mesmo com essas dinâmicas os índices demonstram que os níveis de desemprego e de precarização das atividades produtivas, recaem em dois perfis – mulher e negra ; desta forma, essa problemática ainda se constitui em um eixo fundamental de debate sobre o desenvolvimento de um país.
 
Nesse sentido, nós, oriundas do movimento de Economia Solidária, não podemos nos furtar de refletir sobre a questão de gênero, uma vez que é necessário levar em conta toda a sua diversidade social, econômica, cultural, racial, e, sobretudo esta divisão do trabalho, enquanto práticas democráticas. Assim, é necessário analisar os aspectos desafiadores no enfrentamento das disparidades sociais e a sua ligação com o capitalismo e seu processo de retroalimentação através do estímulo a esses aspectos.
 
É fundamental entender que os empreendimentos de economia solidária são tidos como resposta a esse sistema que gera tanta desigualdade social, principalmente na questão de gênero, em relação ao mundo do trabalho. O modelo autogestionário constitui-se como instrumento de transversalidade, de autonomia e participação democrática das mulheres, visto que, esses espaços permitem a ampliação de locais de discussão, bem como estruturação de gestões plurais das iniciativas produtivas.
 
Contudo, não podemos perder de vista que mesmo nesses ambientes, onde a luta se da na integração e posicionamento de classe, ainda existem presenças marcantes e reproduções de práticas das relações de trabalho formais, onde as mulheres, sobretudo no que se refere aos cargos de gestão, concentram-se nas atividades de menor poder aquisitivo, ou ditos “lugares das mulheres” – artesanato, alimentos, confecções; enquanto os homens estão presentes a exemplo, nas empresas recuperadas e cooperativas com amplo investimento em máquinas e tecnologias.
 
“Os homens preponderam nas cooperativas e nas empresas mercantis, ao passo que as mulheres prevalecem nos grupos informais. Nas associações, mais uma vez, o equilíbrio é maior, embora com ligeira predominância dos homens”. (GAIGER, 2014).
 
Mais uma vez, o intuito não é polarizar, mas trazer o debate para construção inclusive de ações efetivas de desmonte de concepções e formatações que não permitem equidade nas apropriações. A análise que se faz necessária então é: a essas mulheres está sendo possibilitada a sua participação de fato? Ou seja, suscitar algumas questões, tais como: nos empreendimentos onde há uma predominância masculina existem mecanismos que assegurem a participação feminina igualitária? Será que não estamos reaplicando o modelo capitalista nas cooperativas e empreendimentos solidários no que se refere à gestão das organizações? Além dos inúmeros outros aspectos que precisam ser discorridos.
 
Assim, a Economia Solidária não significa meramente uma medida de geração de trabalho, emprego e renda, em especial para mulheres, mas sim um instrumento de redemocratização das relações de trabalhos e organicidade política social, uma vez que, quando esses espaços se organizam e efetivam o cumprimento de seus princípios básicos, ultrapassam as expectativas materiais de sobrevivência e, assim, fomentam iniciativas democráticas e ações conscientes em busca do bem comum, fortalecendo a equidade e igualdade de direitos na ampla participação de homens e mulheres, com foco na promoção dos princípios éticos de um sociedade do bem viver.
 
 
Por: Anne Sena – Tesoureira da Unisol Brasil e presidenta da Unisol Bahia.

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