“A criação da UNISOL constitui um importante marco histórico para a Economia Solidária no Brasil”, disse após reiterar a importante missão institucional da Central de Cooperativas de organizar, representar e articular, de forma ampla e transparente mais de 750 empreendimentos filiados.
O secretário também lembrou que da fundação da UNISOL Brasil, em 2004, para cá, a Economia Solidária só fez crescer no Brasil e hoje há mais de 33 mil empreendimentos do setor espalhados por todo o território nacional. Não por acaso, Silva deixa claro que a parceria com a Central de Cooperativas é importante e que a Senaes tem interesse em tocar novos projetos em conjunto, principalmente aqueles voltados à recuperação de empresas.Veja a entrevista na íntegra.
UNISOL Brasil – Fale um pouco sobre o trabalho do Senaes junto aos empreendimentos de Economia Solidária.
Roberto Marinho Alves da Silva – O objetivo estratégico da SENAES/MTE é “fomentar e fortalecer empreendimentos econômicos solidários e suas redes de cooperação em cadeias de produção, comercialização e consumo por meio do acesso ao conhecimento, crédito e finanças solidárias e da organização do comércio justo e solidário”. Destacam-se os processos de formação, assessoramento técnico e incubação orientados para atender prioritariamente às demandas dos Empreendimentos de Economia Solidária (EES), fortalecendo o seu potencial de inclusão social e econômica, bem como sua dimensão política transformadora. As políticas de fomento às iniciativas de finanças solidárias são fontes de metodologias inovadoras de democratização do acesso ao crédito para consumo e produção e outros serviços financeiros, tais como os Bancos Comunitários de Desenvolvimento, dos Fundos Rotativos Solidários e Cooperativas de Crédito Solidário.
A certificação e reconhecimento dos EES, dos produtos e serviços no âmbito do Sistema de Comércio Justo e Solidário é a principal estratégia para articular a comercialização solidária. Outra prioridade de atuação é na organização de redes de cooperação de empreendimentos econômicos solidários que possibilitem avanços na produção e comercialização de seus produtos e serviços. Além disso, a SENAES atua no sentido de “Fortalecer a institucionalidade da política nacional de economia solidária, a articulação federativa e a integração das políticas de promoção das iniciativas econômicas”. As iniciativas empreendidas pela SENAES buscam criar um ambiente institucional favorável ao desenvolvimento dos empreendimentos econômicos solidários por meio de projetos de Lei da economia solidária e do cooperativismo. Também são fortalecidas as instâncias de participação social dos empreendimentos, com o Conselho Nacional de Economia Solidária, as Conferências Públicas e o diálogo com fóruns e redes sociais.
UB – Quando começou esse trabalho para desenvolver os empreendimentos de Economia Solidária?
Silva – Em junho de 2003, o Governo Federal inaugurou a construção de uma política pública de economia solidária em âmbito nacional, fortalecendo um amplo mutirão nacional que envolve os esforços de organizações da sociedade civil e de governos municipais e estaduais. Trata-se do reconhecimento de novos direitos de cidadania para milhões de trabalhadores e trabalhadoras dos empreendimentos econômicos solidários. Com essa percepção, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) do Ministério do Trabalho e Emprego vem se empenhando para fortalecer e ampliar as ações de apoio e fomento à economia solidária. Entre 2011 e 2013, a SENAES disponibilizou quase meio bilhão de reais no apoio a 198 projetos, beneficiando 277 mil pessoas em todo o território nacional. Essas ações contribuíram para ampliar a capacidade dos empreendimentos econômicos solidários em gerar oportunidades de trabalho e renda para setores excluídos do mercado formal de trabalho.
UB – Quando teve início a parceria com a UNISOL Brasil? Como ela funciona?
Silva – A primeira parceria da SENAES com a UNISOL ocorreu no âmbito do fortalecimento institucional da Economia Solidária: na construção de uma nova lei geral do cooperativismo no Brasil e na construção de um marco regulatório específico para as cooperativas de trabalho. As atuações conjuntas de apoio e fortalecimento de empresas recuperadas por trabalhadores tiveram início em 2005, junto com a Fundação Banco do Brasil, e que continuam até hoje. Em 2009 a UNISOL também passou a atuar em parceria com a SENAES nas ações do Cataforte, com o fomento e fortalecimento das organizações de catadores de materiais recicláveis, também em parceria com a FBB. Naquele mesmo ano, iniciamos outra parceria direta no âmbito de projetos de desenvolvimento local e Economia Solidária. Em 2012 inauguramos nova parceria em projeto de fomento e fortalecimento de redes de cooperação.
UB – Quais projetos a UNISOL Brasil e a Senaes desenvolvem juntos?
Silva – Em 2005, o Projeto de “Apoio técnico e político aos trabalhadores e trabalhadoras de empresas em crise jurídica e/ou financeira que queiram retomá-la e convertê-la em cooperativas autogestionárias” apoiou 23 empreendimentos do setor industrial, beneficiados com 372 trabalhadores com acesso à formação e assessoramento técnico, organizativo e jurídico. Depois, em 2006, fizemos um novo acordo para “Assessoria técnica de empreendimentos oriundos de empresas em crise ou em falência, visando à capacitação e sensibilização dos trabalhadores”, quando foram beneficiadas mais 18 empresas recuperadas em regime de autogestão, apoiadas com 159 trabalhadores beneficiados.
Em 2006 realizamos o Projeto para “Contribuir para a consolidação e sustentabilidade da Central de Empreendimentos Econômicos da Cadeia Produtiva Solidária do Algodão Agroecológico – Justa Trama”, quando foram adquiridos equipamentos para estruturar empreendimentos com 728 pessoas beneficiadas, ampliando a Rede Justa Trama para a Região Norte do País.
Em 2009, executamos com a Fundação Banco do Brasil (FBB) e UNISOL dois projetos no âmbito do Cataforte, em São Paulo e Santa Catarina, com a finalidade de desenvolver ações de formação e assessoria técnica para o setor da reciclagem dos resíduos sólidos, visando o fortalecimento das organizações sociais e produtivas dos catadores de materiais recicláveis, das suas formas de autogestão e dos empreendimentos econômicos solidários.
Também em 2009, celebramos parceria com a UNISOL para implantar o projeto Brasil Local na Região Sudeste com o seguinte objetivo “Promover o desenvolvimento local, na região sudeste do Brasil, através do fomento à constituição de empreendimentos de Economia Solidária, assim como o fortalecimento daqueles já existentes”. Foram realizadas ações mobilizadoras nos âmbitos: comunitário, municipal, estadual, região sudeste e nacional, colocando em pauta a Economia Solidária, num movimento de alternância que vai do local para o global e do global para o local.
Em 2010 a UNISOL foi novamente selecionada em Chamada Pública de Parceria e executamos o Projeto “Recuperação, Desenvolvimento e Consolidação de Empresas Recuperadas Autogestionárias”. O objetivo geral desse Projeto é de apoiar os trabalhadores em processos de recuperação de empresas por meio de regimes de autogestão visando à viabilização e a consolidação das atividades produtivas das experiências em andamento, e a consequente manutenção dos postos de trabalho e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e seus familiares.
Em 2012 foi celebrada uma nova parceria com a UNISOL para execução do Projeto “Territórios Dinâmicos: Projeto de Apoio à Gestão Social, Inclusão Produtiva e Dinamização Econômica de Redes de Cooperação Solidária”, com o objetivo de implementar ações de apoio às Redes de Cooperação Solidária nos processos de gestão, planejamento e controle social, buscando ampliar e qualificar a estratégia de desenvolvimento territorial com foco na dinâmica do Programa Brasil Sem Miséria do Governo Federal.
UB – Por que essa parceria com a UNISOL Brasil é importante para a Senaes?
Silva – Pela característica própria da UNISOL, enquanto uma central de empreendimentos de economia solidária, demonstrando publicamente a capacidade dos trabalhadores que aderem às organizações que se orientam pelos valores da cooperação, autogestão, solidariedade e sustentabilidade.
UB – A UNISOL Brasil foi fundada há dez anos. O senhor pode fazer uma análise do desenvolvimento da Economia Solidária neste mesmo período em que a UNISOL começou a atuar?
Silva – Nas últimas décadas do Século 20, a Economia Solidária ressurge no Brasil no âmbito de processos de redemocratização política, como forma de superação do desemprego. Hoje, no Brasil e no mundo, essas características são identificadas em organizações socioeconômicas que promovem a cooperação ativa entre trabalhadores ou produtores autônomos e familiares em áreas urbanas e rurais, nos chamados empreendimentos econômicos solidários, sob a forma de cooperativas populares, associações de pequenos produtores, grupos informais e redes de cooperação, entre outras.
Em 2013 foram divulgados os novos números da economia solidária no Brasil. Desde 2005 já foram identificados 33,5 mil empreendimentos econômicos solidários no Sistema de Informações em Economia Solidária em todas as regiões brasileiras. Além de mapear novos EES, foram realizadas revisitas em EES constantes na base anterior. Ao todo foram identificados mais 11,6 mil novos empreendimentos. Destes, 5,8 (50%) declaram terem iniciado suas atividades após o ano de 2004, o que demonstra que a economia solidária é um fenômeno que apresenta dinamismo social e econômico independentemente do contexto de crise do desemprego e do fenômeno do dessalariamento que caracterizou o período de seu surgimento nas últimas décadas do século passado.
UB – Na opinião do senhor, qual a importância da UNISOL Brasil para a Economia Solidária?
Silva – A criação da UNISOL Brasil constitui um importante marco histórico para a economia solidária no Brasil enquanto uma organização que proporciona expressão política dos empreendimentos solidários e das cooperativas autênticas da área de produção e pela sua missão institucional de organizar, representar e articular, de forma ampla e transparente mais de 600 empreendimentos que são filiados à UNISOL, com destaque para aqueles que são oriundos de processos de recuperação de empresas em regime de autogestão. Essas iniciativas expressam a possibilidade concreta de recuperação de postos de trabalho com a manutenção de instalações, máquinas e equipamentos para a geração de renda, entre outros, por meio do processo de reconversão de empresas falidas ou em situação de crise falimentar. Em síntese, é uma demonstração das capacidades dos trabalhadores organizados na Economia Solidária.
UB – No seu ponto de vista, qual segmento da Economia Solidária tem se destacado (agricultura familiar, reciclagem, artesanato etc)?
Silva – Conforme o Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES), quanto à categoria social das pessoas associadas, constata-se que a grande maioria dos EES declararam que as categorias de sócios predominantes são a dos agricultores familiares (55%) e a dos artesãos (18%). Estas duas categorias totalizam 73% dos EES.
UB – Há a intenção de tocar novos projetos em parceria com a UNISOL Brasil? Pode citar algum?
Silva – Sim, precisamos avançar no processo de recuperação de empresas em regime de autogestão enfrentando os seguintes desafios:
a) avançar nos processos de autogestão, o que implica em ações educativas (formação e assessoria técnica) sistemáticas que possibilitem um modelo de efetiva participação dos trabalhadores, de acordo com os princípios, valores e práticas históricas da cooperação e da autogestão;
b) o desenvolvimento de novas habilidades nos processos de administração e de gerência dos empreendimentos, por parte dos trabalhadores da base da produção, sobretudo nas relações com os mercados;
c) continuidade das atividades econômicas, mantendo-as competitivas nos mercados, o que requer reestruturar social e tecnicamente os processos produtivos ou de serviços;
d) o reconhecimento formal das características desses empreendimentos para que tenham tratamento diferenciado nas políticas públicas, de acesso ao crédito, nos investimentos necessários à formação de capital inicial, no tratamento tributário adequado, no acesso ao mercado institucional (compras governamentais e das empresas estatais), no pleno acesso à seguridade social, entre outros direitos e;
e) a articulação dos próprios empreendimentos econômicos solidários que, em termos estratégicos, devem buscar a constituição de redes de cooperação em cadeias produtivas ou a formação de complexos cooperativos que possibilitem a integração de diferentes iniciativas e segmentos socioeconômicos com a finalidade de viabilizar seus objetivos.
UB – Qual sua expectativa em relação ao futuro dos empreendimentos de Economia Solidária? Esse segmento está consolidado? Está em vias de consolidação?
Silva – O fortalecimento e expansão da Economia Solidária dependem fundamentalmente da efetiva valorização das suas potencialidades das iniciativas econômicas solidárias na agenda nacional de desenvolvimento. Isso significa internalizar novos valores, conteúdos e sujeitos de direitos nesses espaços, para além da concepção subsidiária ou complementar da dimensão social ou da inclusão social que já existem. O apoio amplo e efetivo dos movimentos sociais e a adesão massiva da sociedade aos valores e práticas da produção e consumo sustentáveis são fundamentais para afirmação da economia solidária em um ambiente societário favorável ao seu desenvolvimento. Para tanto, faz-se necessário enfrentar e buscar soluções aos desafios acima identificados.
É preciso construir e conquistar uma ambiência institucional favorável com a atualização, aperfeiçoamento e criação de leis e mecanismos que facilitem a formalização e funcionamento dos empreendimentos econômicos solidários, sobretudo das sociedades cooperativas, considerando os aspectos tributários, creditícios e de acesso à seguridade social. É preciso formular políticas massivas de acesso ao crédito, à assistência técnica e de comercialização para os empreendimentos econômicos solidários enquanto condição fundamental para ampliar a escala na execução das políticas e cobertura da demanda em todo o território nacional. Para isso, precisamos avançar muito na construção de políticas públicas perenes (de Estado), estruturadas e sistemáticas capazes de prover a economia solidária de instrumentos legislativos e institucionais, faz-se necessário avançar na ampliação da capacidade operacional dos órgãos públicos com mais recursos, pessoal e novos instrumentos para aperfeiçoamento dos processos de gestão dos programas e ações. Enfrentados esses desafios, a política pública de Economia Solidária ampliará sua capacidade de plena integração às orientações estratégicas de redução das desigualdades socioeconômicas e regionais por meio do resgate humano da população que se encontra em situação de extrema pobreza na promoção do desenvolvimento includente e sustentável.