A Unisol Brasil, em conjunto com diversas entidades da sociedade civil organizada, expressa sua preocupação com os caminhos da política de direitos humanos no Brasil neste manifesto. Confira!

     Manifesto Conjunto no Dia Mundial dos Direitos Humanos
                   QUEREMOS MAIS DIREITOS HUMANOS, PARA TODOS E TODAS!
As organizações abaixo assinadas vêm a público para manifestar sua profunda preocupação com os caminhos da política de direitos humanos no Brasil. Em que pese o fato de que a política de direitos humanos nunca fora efetivamente uma política de Estado no Brasil, mas sim de alguns órgãos e setores de determinados governos, o que ora vivemos é um processo de total desestruturação, desmonte e retrocesso nas garantias constitucionais e de direitos humanos, conquistados a partir de muita luta da sociedade civil organizada. O atual governo brasileiro ataca de forma flagrante os compromissos com direitos humanos e age no sentido de desproteger a cidadania. Não há o menor respeito ao princípio da proibição do retrocesso e de investimento do máximo de recursos para a garantia dos direitos humanos. Há um movimento brutal de submissão dos direitos e da vida aos interesses fiscais que, em nome de sanear o Estado, drenam recursos para o capital financeiro especulativo e retiram as condições para o investimento em políticas voltadas aos direitos humanos.
Diante deste quadro, as chamadas instituições democráticas brasileiras, não têm sido capazes, não possuem mecanismos ou não querem enfrentar as perdas e os retrocessos que vivemos.
As organizações estão especialmente preocupadas com o abandono dos compromissos constantes no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) – que já completa 10 anos (publicado em 21/12/2009) -, e com vários outros planos, entre eles, o Plano Nacional de Educação, o de políticas públicas para mulheres, o de igualdade racial, o de promoção da população LGBTQI, o de educação em direitos humanos. O anúncio do “Programa Juntos pela Vida: Família e Direitos Humanos”, feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para o período 2019-2023, por meio da Portaria nº 2.467, de 06/09/2019, aponta para prioridades que são muito diferentes daquelas constantes destes compromissos construídos com a participação da sociedade civil brasileira. Há clara sobreposição de propostas de ação e, ainda que as anteriores não tenham sido revogadas, de longe estão entre as prioridades a serem implementadas. Há preocupação também com o fechamento e inviabilização dos espaços de participação social, tais como os Conselhos, Comitês e as Conferências, em várias áreas de direitos e políticas, e em especial a uma
série de ações de restrição orçamentária, estrutural e de autonomia política, que tentam desgastar e inviabilizar a atuação efetiva e de denúncia que vem sendo executada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos. O recente fato da destituição da Procuradora Débora Duprat da função de conselheira no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e em perspectiva de assumir a presidência do CNDH em 2020, pelo atual Procurador Geral da República Augusto Aras, é uma amostra do desrespeito, autoritarismo e intervencionismo na autonomia deste Conselho.
Entre as muitas perdas já ocorridas, as organizações da sociedade civil também manifestam sua profunda preocupação com projetos e medidas já anunciadas e em andamento com potencial de riscos muito grandes à garantia dos direitos humanos e das vidas de muitas pessoas. Uma das questões preocupantes é a afirmação do Estado punitivo constante na proposta do pacote anticrime e o teor do que será aprovado do projeto apresentado pelo governo (já passou pelo Senado e agora vai para a Câmara). Aspectos como o aumento do tempo máximo de cumprimento de pena, de 30 para 40 anos, são vistos por especialistas como um risco que favorece a lógica do encarceramento, num Brasil com já tem aproximadamente 812 mil pessoas presas, conforme dados do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) de julho deste ano. Outra crítica ao projeto diz respeito à criação de um banco de perfil genético para fichar informações de pessoas que passam pelo sistema de Justiça criminal, medida esta, que segundo especialistas, pode ajudar a endossar o preconceito social que atinge ex-detentos, por exemplo. Além, é claro, da insistência do governo em querer garantir o excludente de ilicitude para os agentes de segurança pública, mesmo diante de toda a inconstitucionalidade contida nesta matéria e dos reais riscos à ampliação da ação violenta das polícias, colaborando para o aumento dos confrontos na sociedade, para o avanço no extermínio da juventude negra e pobre das periferias e com a população negra em geral, bem como para o ataque a lideranças e defensores/as de direitos humanos, que fazem luta pela terra, pelos territórios, pela natureza e pelos bens comuns e se encontram expostos a diversas situações de violências.
Outra questão que traz profunda preocupação tem a ver com as propostas de Emendas
Constitucionais do Plano Mais Brasil, que efetivamente vão à contramão da garantia de direitos, destruindo, inclusive, direitos já garantidos. É grave a proposição de que “será observado, na promoção dos direitos sociais, o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”, sugerido como parágrafo único ao artigo 6º da Constituição Federal. Junto com esta estão as propostas de desvinculação dos recursos, inclusive com mudanças para os recursos previstos para a garantia do direito à saúde e à educação. Estas medidas, somadas a outras e aos impactos da Emenda Constitucional nº 95/2016 agravarão ainda mais os problemas para a garantia e a efetividade dos direitos sociais, com forte impacto na ampliação das desigualdades sociais no país. Esta preocupação se intensifica, com o Plano Pluri Anual (PPA 2020-2023) proposto pelo governo, que não menciona o fortalecimento da democracia e “esvazia os direitos”, uma vez que os recursos previstos para o período na área social são 40% menores do que os recursos previstos para a área econômica, que é objetivamente prioritária em favorecimento aos mais ricos. Ou seja, em nome da “simplificação” e do “realismo fiscal”, os direitos humanos, definitivamente, não estão nos planos do governo brasileiro, a não ser para serem desmontados e atacados.
As organizações também manifestam sua profunda preocupação em relação à participação e aos direcionamentos realizados pelo Brasil nos espaços multilaterais, em especial nos de direitos humanos. Nestes espaços a diplomacia brasileira tem assumido posições que rompem com a tradição brasileira acumulada há décadas, às quais, em grande medida, historicamente afirmaram e se comprometeram com a defesa do universalismo, do avanço das liberdades, da promoção progressiva dos direitos humanos, vide os ataques perpetrados contra documentos e convenções internacionais que versam sobre a defesa da igualdade de gênero, racial, entre outras. Estas posições, que também se traduzem em ações dentro do País, não reconhecem os direitos humanos como proteção e garantia para todos e todas. Elas são seletivas, pautadas por valores conservadores e com forte caráter de fundamentalismo religioso de cunho cristão. Tais posições que se orientam pela defesa de que os direitos humanos são para os “humanos do bem”, os “humanos direitos”, em oposição aos demais seres humanos, caracterizados como minorias, como “bandidos” e apoiadores de bandidos são frequentemente defendidas por setores do governo com argumentos bíblicos distorcidos em detrimento da Constituição. Distorcem o direito à liberdade religiosa para promover o racismo religioso, a misogenia, a LGBTIQfobia, o ódio às populações originárias e tradicionais, a violência e a eliminação daquelas pessoas e grupos sociais que são consideradas expressão do mal, entre elas: mulheres, LGBTIs, indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, negros e
negras, juventudes, crianças e adolescentes. Estabelecem falsa dicotomia entre “defesa de valores e direitos da maioria moral e valores e direitos da minoria. Dizem que os valores e os direitos das minorias não podem estar acima dos valores e direitos da minoria. Para a sociedade civil, que recentemente se manifestou contra a recondução da candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, fica a preocupação com a falta de orientação para a atuação na perspectiva da universalidade, da imparcialidade, da objetividade e da não-seletividade, do diálogo internacional construtivo e da cooperação com vistas a aprimorar o respeito, a promoção e a proteção de todos os direitos humanos, de acordo com o Artigo 4º da Resolução nº 60/251 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Finalmente, as organizações signatárias instam as instituições, tais como o Parlamento, o Ministério Público, o Poder Judiciário, a cumprirem com suas responsabilidades no que se refere ao fortalecimento da democracia e ao cumprimento das garantias constitucionais e com os compromissos em direitos humanos. Também manifestam solidariedade aos lutadores e às lutadoras do povo, aos defensores e às defensoras de direitos humanos, às lideranças sociais e políticas, que seguem em luta pelos direitos humanos, de cabeça erguida, com coragem, dizendo “queremos todos os direitos humanos para todas e todas, já!”. Solidarizam-se também com os sujeitos, as lideranças, organizações e povos que estão na resistência e na luta no Brasil e em vários países da América Latina e do mundo. Conclamam à solidariedade interorganizacional no plano nacional e internacional e afirmam que somente a formação de alianças estratégicas de resistência ativa e criativa ajudarão nesta travessia difícil, mas que se alimenta do esperançar dos que há séculos lutam e conquistam espaços de mais igualdade e participação. Afirmam que direitos humanos continuam cada vez mais fazendo sentido como conquistas, razão pela qual seguirão fazendo processos de
resistência, luta e de organização no cotidiano, em cada pedaço, em cada canto, em cada mente e em cada coração.
Viva os direitos humanos, viva o dia mundial dos direitos humanos.
 Brasil, 10 de dezembro de 2019.

Assinam este Manifesto
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH Brasil
Fórum Ecumênico ACT Brasil - FEACT
Processo de Articulação e Diálogo Internacional – PAD
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
Acesso Cidadania e Direitos Humanos
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Articulação Nacional de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais - ABONG
Associação de Mulheres Negras do Acre
CDES Direitos Humanos
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA
Centro de Apoio as Iniciativas Sociais – CAIS
Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa – CDHVS
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Londrina
Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular
Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza Tupã
Centro de Defesa dos Direitos Humanos Nenzinha Machado
Centro de Direitos Humanos de Cristalândia
Centro de Direitos Humanos de Formoso do Araguaia
Centro de Direitos Humanos de Palmas
Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennès
Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz
Centro de Educação e Assessoramento Popular – CEAP
Centro de Estudos Feministas e Assessoria – CFEMEA
Centro de Referência em Direitos Humanos - UFRN
Centro do Negro do Pará – CEDEMPA
Centro Dom Hélder Câmara de Educação e Ação Social – CENDHEC
Centro Dom José Brandão de Castro
Coletivo Catarinense Memória, Verdade, Justiça
Comissão ARNS
Comissão de Justiça e Paz de Brasília
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Comitê de Direitos Humanos Dom Thomás Balduíno
Comitê de Prevenção e Combate a Tortura do Piauí
Conselho de Igrejas Cristãs – CONIC
Coordenadoria Ecumênica de Serviço - CESE
FIAN Brasil
Fórum dos Direitos Humanos e da Terra - FDHT
Fundação Luterana de Diaconia - FLD
Fundação Instituto Nereu Ramos
Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa
Grupo Dignidade
Grupo Identidade LGBT
IDEAS – Assessoria Popular
Instituto Braços
Instituto Brasil Central - IBRACE
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH
Instituto DH
Instituto Terramar
Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço
Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade/PA
Movimento do Espírito Lilás
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Marcha Mundial de Mulheres / SC
Organização de Direitos Humanos Projeto Legal
Pastoral Carcerária Nacional
Pastoral da Juventude
SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia
União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias - UNICOPAS
UNISOL Brasil

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