Por Vinícius Carvalho, jornalista do Portal da RTS
Funcionário de carreira do Banco do Brasil (BB) desde 1980, o atual presidente da Fundação Banco do Brasil, Jorge Streit, tem pela frente a missão de comandar uma das instituições pioneiras na difusão e reaplicação de Tecnologias Sociais no Brasil. Conduzido ao cargo esta semana, Streit conta ao Portal da RTS alguns dos principais desafios assumidos pela instituição, faz um balanço das ações em curso e reafirma o papel das Tecnologias Sociais para a construção de novas estratégias de desenvolvimento.
Ex-diretor de Desenvolvimento Social da Fundação, Streit é graduado em Administração (Universidade Federal de Rondônia/ UNIR) e Mestre em Gestão Social e Trabalho (UnB). Possui, ainda, MBA em Gestão Empresarial (USP) e especialização em Controladoria Institucional e Ambiental (UNIR).
RTS – Quais as prioridades da Fundação Banco do Brasil daqui para frente?
Jorge Streit – As prioridades já constam em nosso planejamento trienal (2010 – 2012), feito no ano passado. Seguimos com nossos eixos de ação: geração de trabalho e renda e educação, tendo as Tecnologias Sociais (TSs) como nossa grande base de inspiração e atuação para novos projetos. E a TS propicia isso: adotar idéias que deram resultado em determinado espaço e transpô-las para outros espaços, com muito pouca modificação.
Também queremos aprofundar, cada vez mais, boas relações que já existem, como é o caso das TSs, da economia solidária e do desenvolvimento sustentável, dando continuidade ao crescimento, com qualidade, das ações da Fundação. Quem se conforma com o tamanho que está, acaba diminuindo. E por mais que a gestão do Jaques [Pena, ex-presidente da FBB] tenha sido fantástica, os funcionários da Fundação estão engajados em seguir avançando ainda mais.
RTS – Qual o saldo até aqui?
Streit – Nos últimos anos consolidamos grandes programas na área de educação. No BB Educar, passamos a direcionar a alfabetização de adultos para os territórios que temos como prioridade, para as atividades produtivas e para os públicos, incluindo quilombolas e catadores. As estações digitais também estão crescendo, com 65 instaladas apenas este ano. Ano que vem queremos reforçar alguns aspectos do programa, incluindo a garantia de bolsas para os educadores de mais de 200 de nossas estações digitais. Outra ação é a construção de centros de meta-reciclagem, para recuperar máquinas doadas e destiná-las a telecentros.
O ABB Comunidade, que é outro grande programa de educação, também está trazendo projetos muito interessantes. Um deles é o projeto “Educação para o mundo do trabalho”, no qual crianças a partir de 11, 12 anos começam a se familiarizar com o assunto. Estamos capacitando os educadores do programa, para que, com o tempo, todos possam orientar as crianças sobre o que existe de melhor em termos de oportunidades de trabalho na região em que elas vivem.
RTS – E na área de geração de trabalho e renda?
Streit – Algumas atividades produtivas têm ênfase na Fundação. Uma delas é a reciclagem, agora com nova parceria com o BNDES. Toda nossa prioridade, nessa área, é para a formação de redes. Não apoiamos mais cooperativas de reciclagem de forma isolada, mas a formação de algumas grandes redes de cooperativas que consigam ganhar em escala e fazer frente aos atravessadores. Sobretudo agora, que estamos também com outra parceria importante com a Senaes para a capacitação de 10.200 catadores em todo o Brasil. Isso vai nos permitir avançar na construção destas redes, até porque uma das metas do programa é conscientizar os catadores sobre as vantagens que as cooperativas podem ter trabalhando juntas.
Na agroindústria e na agricultura familiar, seguimos com o objetivo de fortalecer as instituições coletivas e solidárias dentro das cadeias produtivas. Nesse sentido, avançamos na apicultura, tornando Picos (PI) um grande player em toda a região nordeste. Na mandiocultura, também temos um trabalho pioneiro no sudoeste da Bahia, que envolve mais de 3 mil famílias para a produção de fécula – que hoje ainda é produzida apenas pelo agronegócio no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Esta nova fecularia – a primeira do Nordeste -, de propriedade coletiva dos agricultores familiares, será inaugurada ainda este ano. Isso sem falar no caju, onde continuamos trabalhando em vários estados.
RTS – Como as Tcnologias Sociais perpassam esse processo?
Streit – O Pais (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável) continua sendo nosso grande carro-chefe. Já tínhamos, junto a nossos parceiros, 7.500 unidades do Pais implantadas e estamos aprovando perto de outras 1.500 este ano. Estamos também identificando outras Tecnologias Sociais com potencial de reaplicação em escala, como o Projeto Balde Cheio, que atua na transferência de tecnologia de produção de leite para a agricultura familiar. A TS Integração lavoura-pecuária-floresta também pode nos ajudar a entrar mais na Amazônia, dando uma resposta a vários produtores familiares que hoje estão sem alternativa econômica e sob pressão para se ajustar à lei ambiental.
Estamos apostando, ainda, na construção de centros de referência em TS, idéia que, a princípio, nos parece muito interessante.
RTS – Como funcionarão exatamente estes centros?
Streit – Temos espaços em algumas regiões onde podem ser implementadas Tecnologias Sociais e disponibilizadas pessoas qualificadas para fazer tanto a demonstração quanto a multiplicação destas TSs. Este final de semana, por exemplo, lançaremos um destes centros no Vale do Rio Urucuia com unidades do Pais, fossas sépticas biodigestores e novas formas de uso do bambu, entre outras tecnologias. É um espaço com pessoas treinadas para difundir estes conhecimentos, onde as pessoas poderão ver as tecnologias fisicamente implantadas e conhecer suas vantagens na prática.
RTS – Como estreitar a relação do Banco do Brasil com a Fundação BB?
Streit – Na medida em que sai de projetos com caráter um pouco mais assistencial para adotar a estratégia da inclusão produtiva como carro-chefe, a Fundação naturalmente passa a se aproximar mais do banco. O BB, historicamente, tem tido um papel importante para o desenvolvimento comunitário no interior do Brasil. Esse papel se perdeu um pouco na década de 90, no auge do neoliberalismo, mas está sendo retomado de forma alinhada à nossa atuação. O que queremos é aperfeiçoar cada vez mais esse alinhamento.
RTS – O financiamento do Pais via Pronaf pode ser uma destas estratégias?
Streit – Sim. Isso dá concretude a este alinhamento, na medida em que a Fundação traz as Tecnologias Sociais para que o banco as reconheça também como boas ideias a serem financiadas. Isso já está acontecendo no Mato Grosso do Sul, e queremos levar adiante para o resto do Brasil. Com isso, saímos um pouco da necessidade da Fundação financiar o Pais apenas com recursos não reembolsáveis, o que liberaria parte destes recursos para a criação de novas unidades demonstrativas, por exemplo. Essa é uma combinação perfeitamente possível.
RTS – Qual panorama você faz hoje da difusão e reaplicação de TS no Brasil?
Streit – Sou otimista. Na semana passada, por exemplo, soube que já entraram emendas parlamentares para instalar unidades do Pais em alguns estados. E ontem tive conhecimento que o governo do Maranhão está também fazendo unidades do Pais, só que com um nome diferente. E isso é ótimo, porque não queremos ter “controle” sobre essa multiplicação. Quando a gente passa a receber este tipo de notícia, isso nos faz acreditar que o tema está pegando e ultrapassando as fronteiras das próprias instituições que começaram estes projetos.
RTS – Uma política nacional de TS poderia favorecer este movimento?
Streit – Essa batalha que aconteceu dentro da IV Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) foi um passo dado nessa direção. É claro que isso ainda não é decisivo, ainda mais em ano eleitoral. E na medida em que os candidatos forem abordados durante a campanha com esta discussão, podemos sim ter uma definição bem mais forte do governo com relação e isso. Não significa que não tenhamos avanços importantes, mas podemos sim dar um salto de qualidade nessa direção.
RTS – Destaca algum grande desafio da RTS daqui para a frente?
Streit – Concordo com o Jaques [Pena, ex-presidente da FBB] quando ele fala que podemos trazer as empresas privadas para dentro da Rede. É claro que isso não é fácil. Nós mesmos aqui na Fundação parceirizamos muito mais com instituições de caráter público do que privado, mas temos conseguido, aos poucos, avançar em parcerias com grandes empresas privadas como a Votorantim, a Camargo Corrêa e a Odebrecht, só para falar nas empresas do ramo da construção. Na medida em que você passa ter relações com essas organizações por meio de seus institutos, fica mais possível também levar essas relações para dentro da Rede. A Fundação Banco do Brasil e o Sebrae podem certamente ajudar nessa direção.
RTS – A Fundação dará início à revisão de seu banco de TS. Qual o objetivo?
Streit – Esse é um projeto que está sendo iniciado. Queremos revisitar nosso banco e entender o que essas Tecnologias Sociais sofreram de modificações nesse período e quais estão de fato sendo implantadas ainda hoje. Pode ser que, nesse processo, nosso banco fique até mais enxuto em termos quantitativos. Por outro lado, ficará muito mais rico e confiável para quem quer levar estes conhecimentos para frente.