De todo o Brasil surgem relatos sobre as questões de reciclagem de resíduos, muito evidentes em ocasiões como a da Expocatadores, maior evento de reciclagem do mundo, que aconteceu de 27 a 30 de novembro no Centro de Exposições do Anhembi, em São Paulo. Muitas destes relatos começam nos lixões espalhados pelas cidades, retratados na última década em documentários e inúmeras matérias de jornais, onde os catadores e catadoras vivem a dura realidade de estarem expostos às condições sobre-humanas, disputando espaço e achados com conhecidas aves predadoras.
Manoel Basílio, ex-vice-coordenador nacional do Setorial de Reciclagem da Unisol Brasil, mas ainda ligado à entidade, tem história semelhante. Com persistência, alcançou algumas conquistas. Este ano, ele foi escolhido por Nélio Costa, secretário de Agricultura e Meio Ambiente da cidade de Inhambupe, interior da Bahia, para ser o coordenador de Resíduos Sólidos e Coleta Seletiva do município. É a primeira notícia que se tem conhecimento no Brasil de um catador que está em cargo público.
Sensibilizado com as dificuldades dos catadores do pacato município, localizado a 153 km da capital bahiana e com 40 mil habitantes, e sob as orientações do Prefeito Benoni Eduard Leys, Costa aposta no trabalho e conhecimentos de Basílio. Em decorrência do novo cargo, catadores e catadoras foram envolvidos e mobilizados para a criação da Associação de Catadores de Materiais Reaproveitáveis e Recicláveis de Inhambupe (COOCAI), que é presidida por Rejane Lúcia da Conceição, moradora local e experiente no assunto.
Aos oito anos, Basílio buscava brinquedos e alimentos descartados no lixão, após sair da aula, em Canabrava, bairro da região metropolitana de Salvador (BA). Já adulto, conseguiu uma oportunidade no polo petroquímico de Camaçari (BA), quando viu a sua condição de vida melhorar. Depois de oito anos, mudou de emprego, e tendo que sair de casa às 4h para chegar no horário na nova ocupação, passou a ver os vizinhos também saindo, mas para catar lixo nos aterros próximos. Assim, relembrou a sua infância e nele aflorou a vontade de desenvolver um trabalho na área de reciclagem. Com o fundo de reserva dos anos de empregado, que havia juntado para construir a sua casa e a qual tinha comprado um terreno no bairro de Portão, também na região metropolitana, criou a cooperativa Mundo da Reciclagem, no local.
Nesta entrevista, Basílio destaca os pontos fortes e o que precisa avançar em relação à reciclagem no seu Estado e no Brasil. “Para a cooperativa, convidei pessoas desempregadas ou que haviam tido problemas com drogas. Resolvi me dedicar à causa da reciclagem para melhorar as condições de vida dos meus colegas e consequentemente colaborar com a natureza”, relembra.
Unisol Brasil – Você seguiu trabalhando com a reciclagem? Apareceram outras oportunidades nestes últimos anos e quais ?
Manoel Basílio – Na verdade, após alguns anos, tinha desistido, junto com todos os cooperados. A falta de apoio público foi a principal causa. Mas, depois de ficar desempregado, surgiu uma oportunidade na Secretaria de Agricultura e Meio ambiente da Prefeitura de Inhambupe. Cidade que é terra natal de minha esposa. Todas as vezes que visitava Inhambupe, ia ao lixão para alertar aos companheiros sobre possibilidades de organização, e falava com muito orgulho do meu trabalho, apesar do pouco rendimento. Foi aí que o secretário Nélio Costa, quando estava conversando com familiares sobre implantar a coleta seletiva na cidade, ouviu sobre mim. Assim, fui convidado e contratado pela prefeitura para o desenvolvimento das atividades. Interessante é que tenho outra paixão, a gastronomia, e passei no curso de cozinheiro pelo SENAC. Mas quando estava para mudar de ramo, fui chamado para este projeto. Estou nas ‘mão de Deus’.
UB – O que a reciclagem lhe ensinou e ainda ensina ?
MB – Literalmente, mudou minha vida, hoje tenho outra visão de mundo. Me considero um catador com a possibilidade de ajudar outras pessoas com a minha experiência. Interessante que quando faço palestras relatando minha trajetória e conhecimentos, sinto que a minha história de vida sensibiliza e mobiliza as pessoas para mudar os hábitos.
UB – Como é a aceitação da reciclagem no seu município?
MB – Com a população não tenho dificuldades, mas a falta de infraestrutura ainda dificulta um pouco os trabalhos.
UB – Qual a sua opinião sobre a sociedade brasileira em relação à reciclagem? Você acha que muda muito de acordo com a região do Brasil ? E você acha que avançou a consciência ambiental com o passar dos anos ?
MB – Sim, existe uma diferença grande entre sul e norte do Brasil. Tive a oportunidade de conhecer uma cooperativa em Paranavaí, onde sai de lá espantado com o apoio que a prefeitura oferece a eles. Percebo que as pessoas têm interesse, mas como disse: a falta de infraestrutura para as Associações e Cooperativas de Catadores precariza muito o trabalho e inviabiliza a coleta seletiva, infelizmente.
UB – Quais os seus planos na Prefeitura de Inhambupe em relação à reciclagem ?
MB – O que planejei já está em andamento; estou passando a minha experiência para os catadores, estimulando a se organizarem em Associação, para se tornarem um Empreendimento de Economia Solidária (EES). Na prefeitura, sinto que a nova função é uma ‘passagem’, mas quem sabe, eu não esteja ajudando a construir a casa que possa morar, pois uma vez catador, sempre catador.
UB – Algo mais que gostaria de acrescentar ou quer deixar uma mensagem para os leitores das matérias da Unisol Brasil ?
MB – Quando fui vice-coordenador nacional do Setorial da Reciclagem, muitas portas do conhecimento se abriram para mim. Hoje, sou o que sou pelo apoio que tive inclusive da Unisol Brasil. E agradeço a Deus por te me guiado por esta caminhada. Os médicos ajudam a salvar vidas pelos hospitais, os professores, educando pessoas nas escolas. Mas o catador está salvando o Planeta Terra.
Este vídeo, uma animação, mostra também, de forma mais resumida, os desafios dos catadores e catadoras no Brasil: