Por Sandra Rufino*
A economia solidária (ES) é conjunto de atividades econômicas (de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito) organizadas sob a forma de autogestão. Considerada por Paul Singer como um modo de produção pautado pela igualde de direitos, pela posse coletiva dos meios de produção, possui uma finalidade que envolve as dimensões: social, econômica, política, ecológica e cultural. Busca na valorização humana a sua emancipação. Pelo poder público é vista como estratégia de geração de trabalho e renda, aparece como forma de combate a pobreza e inclusão social, constituindo-se para o Estado (federal, estadual e município) como uma política pública de caráter transversal.
Atualmente são mais de 50% dos estados com lei e vários municípios com decretos específicos para economia solidária. Em 2006 na I Conferência Nacional de Economia Solidária (I CONAES) os trabalhadores e as trabalhadoras afirmam a ES como alternativa ao modelo capitalista e estratégia para um novo modelo de desenvolvimento, sustentável, includente e solidário considerando a pluralidade de lutas sociais e a diversidade de sujeitos que configuram sua base social.
Algumas pesquisas tem apontado uma nova racionalidade econômica e de produção que trazem resultados positivos para os empreendimentos com ganhos de renda e ganhos para além do econômico. Onde a solidariedade, cooperação e participação não estão subordinados à exigência de eficiência e velocidade do mercado. Superam as condições de precarização do trabalho impostas pelo capitalismo que isolou os indivíduos e os alienou. Mas essa não tem sido necessariamente a realidade para outros empreendimentos de economia solidária, onde os trabalhadores e as trabalhadoras vivenciam os resquícios da cultura capitalista em seu cotidiano e que atrapalham o desenvolvimento de sua autogestão e a prática dos princípios da economia solidária.
Muitos EES têm que simplesmente sobreviver no mercado, e nas condições que a economia permite. Estão submetidos a dinâmica de uma empresa capitalista ou do mercado. Para esses EES as ações não rompem com a ordem do capital e não consegue ser um projeto de emancipação política e/ou de emancipação humana.
Quando isso acontece, para Rosa Luxemburgo e Henrique Tahan Novaes na verdade a economia solidária mistura seus princípios com as relações capitalistas de produção. O capital tem permitido que a economia solidária até certo ponto se desenvolva no que é preciso para manter sua subsistência, porém reduzida ao mínimo necessário. E ao invés de se contrapor ao modelo, abre espaços de minização de conflitos e convivência pacífica dos trabalhadores marginilizados do mercado capitalista e que foram incluídos na economia solidária. Talvez por isso em muitos momentos e espaços ela se apresenta ambígua e contraditória. Não é possivel acreditar em num projeto e implementá-lo como sendo um único caminho alternativo para a liberdade, a dignidade, a cidadania e ele de alguma forma manter o modelo atual.
Paul Singer afirma que o propósito da economia solidária é tornar o desenvolvimento mais justo, repartindo seus benefícios e prejuízos de forma mais igual e com isso ela pode romper e transformar o sistema. Mas se a ES não pretende opor-se ao desenvolvimento (mesmo sendo capitalista) pois contribui para que a humanidade progrida, nesse sentido estaria apenas para um socialismo de mercado, que para Henrique Novaes seria “mudar sem mudar nada”. Para a economia solidária produção e reprodução bens materiais e serviços está calcada nas várias relações sociais que permitem a produção e também a apropriação desses produtos. Que para Armand Ajzenberg envolve simultaneamente a produção material e a produção espiritual, a produção dos meios e a dos fins, a dos instrumentos, a dos bens, e das necessidades.
O trabalhador é produtor de riquezas. É necessário um maior engajamento político e social para termos uma articulação e cooperação econômica que ajude a superar a anarquia do mercado. Devemos superar o modelo social, político, econômico e cultural onde mercado e o dinheiro se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os níveis. Sabemos do potencial da economia solidária, mas para que ela possa superar o atual modelo será necessário uma melhor relação com os demais movimentos sociais e com o estado para uma articulação na construção de um projeto estratégico que vá além do capital. Ter uma gestão focada nos aspectos da autogestão e cooperação. Devemos sobretudo reafirmar a economia solidária como processo de transformação social.
Referências e demais informações da articulista: AJZENBERG, Armand. As classes sociais e suas formas modernas de luta. Revista GEOUSP – Espaço e Tempo n.17 (2005). – São Paulo: FFLCH/USP, 2005, p. 09-19
LUXEMBURGO, R. Reforma ou Revolução? São Paulo: Ed. Expressão Popular, 1999.
NOVAES, H. T. Qual autogestão? Revista da Sociedade Brasileira de Economia Politica. v. 18, p. 70-95, 2008.
CNES; SENAES. III Conferencia Nacional de Economia Solidária: texto de referência para contextualização e balanço nacional. Brasília, 2014, SENAES.
SINGER, Paul. Desenvolvimento capitalista e desenvolvimento solidário. Revista Estudos Avançados, v. 18, n. mai-ago. 2004.
*Militante do movimento de Economia Solidária. Ex-cooperada da Verso Cooperativa de Psicologia. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)